(What Ever Happened to Baby Jane?,
Estados Unidos, 1962). Dirigido
por Robert Aldrich e com roteiro de Lukas Heller, baseado no romance homônimo
de Henry Farrell. Elenco:
Bette Davis, Joan Crawford, Victor Buono, Maidie Norman, Anna Lee, Marjorie
Bennett, Julie Allred, Gina Gillespie, Dave Willock, Anne Barton, Barbara
Merrill, Robert Cornthwaite.
Relacionamentos conflituosos sempre foram bons
fundamentos para ilustrar e exemplificar a imperfeição da natureza humana. Quando
mal resolvidos, eles acabam por arrendar uma série de sentimentos ruins como o
ódio, a inveja, a indiferença e o desprezo. As mágoas se tornam cada vez
maiores e, por vezes, inexplicáveis, convergindo enfim para uma convivência
amargurada e gradativamente doentia. Nos dramas familiares o embaraço torna-se
ainda mais doloroso e em “O que Terá
Acontecido a Baby Jane?” podemos acompanhar como todos os limites de
sanidade podem ser extrapolados em uma bizarra e claustrofóbica relação entre
duas irmãs.
Jane Hudson (Bette Davis) foi uma notável artista do Vaudeville
dos Estados Unidos que alcançou a fama como a estrela mirim Baby Jane. Com o
peso da idade e a distância do público, Jane vive no esquecimento enclausurada
em uma mansão de Los Angeles com Blanche Hudson (Joan Crawford), a sua irmã
mais nova. Um acidente automobilístico ocorrido anos antes foi o grande
responsável por selar um amargo destino para ambas. Blanche fica presa a uma
cadeira de rodas pelo resto da sua vida, já Jane, entregue ao alcoolismo,
assume o rancoroso dever de cuidar da irmã.
O ressentimento entre as irmãs é antanho e remete ao
passado artístico das duas. Como a maioria das crianças prodígio, Jane tinha a
carreira impulsionada pelo marketing (existia, inclusive, uma boneca com o seu
nome), era querida por todos e, por ser muito mimada, tinha todos os seus
desejos prontamente atendidos. Blanche era mais reservada e observava dos
bastidores o crescente sucesso da irmã.
Julie Allred interpreta Baby Jane Hudson ainda na infância em "What Ever Happened to Baby Jane?" (1962) The Associates & Aldrich Company [us] | Seven Arts Productions [gb] | Warner Bros. [us] |
Anos mais tarde a situação se inverte e Blanche se torna
uma prestigiada atriz de Hollywood. Seu talento frente às câmeras é contagiante
e extremamente natural. Seus filmes são muito populares e adorados por inúmeros
fãs porém, uma cláusula contratual firmada com as irmãs Hudson indicava que
para cada filme feito com Blanche outro deveria ser produzido com Jane. Essa
determinação não agradava os executivos do estúdio, uma vez que a a ex-atriz mirim
se revelou um fiasco, Jane é uma péssima intérprete e a falta de prestígio na
fase adulta fez com que a sua carreira sofresse forte declínio.
Ao retornarem de uma festa, Jane acaba atropelando
Blanche (acidentalmente ou não) no portão da garagem de casa. O episódio, como
foi mencionado anteriormente, acaba encerrando de maneira precoce a brilhante
carreira da uma jovem atriz, que agora fica à mercê da irmã. Movida pelo
sentimento de culpa (ou pela falta dele) relativo ao acidente que vitimou
Blanche, Jane a mantém encarcerada na mansão e passa a infernizar a sua vida.
O fio condutor da trama é, portanto, o ódio crescente que
Jane nutre pela irmã por acreditar que Blanche se aproveitou oportunamente da
fama de Baby Jane para se tornar uma grande atriz. O ódio começa a ser
traduzido em uma série de agressões verbais e físicas e Jane ainda se encontra
imergida em um irreversível processo de corrosão mental, pois acredita na falsa
ilusão de estar prestes a retornar ao estrelato de forma triunfal.
Joan Crawford e Bette Davis em "What Ever Happened to Baby Jane?" (1962) The Associates & Aldrich Company [us] | Seven Arts Productions [gb] | Warner Bros. [us] |
O filme representa a concentração de todo o talento e
virtuosismo de Robert Aldrich em pouco mais de duas horas de projeção. “O que Terá Acontecido a Baby Jane?” talvez
seja a sua obra-prima, pois o diretor trabalhou em todos os aspectos da trama de
maneira acertada e soube manter o mistério até os minutos finais, convergindo
até o ponto da surpreendente revelação que acaba oferecendo ao espectador um final
surpreendente e imprevisível. Uma guinada genial no enredo justamente no retumbante
encerramento do longa.
Cabe ainda valorizar o impecável trabalho dos atores
coadjuvantes que nos ajudam a enxergar o quão paranoico e dissimulado é o
relacionamento entre as duas irmãs quando observado de um ponto de vista
marginal. Elvira (Maidie Norman), a empregada da mansão, é muito afeiçoada a
Blanche e, carregada de inconformismo, faz de tudo para protegê-la dos maus
tratos da irmã. Senhora Bates (Anna Lee), a vizinha, é sempre desconfiada, mas
nunca chega a tentar investigar o que de tão sinistro ocorre naquela casa. Já
Edwin Flagg (Victor Buono) não é nada mais do que um desacreditado (porém,
oportunista) músico que se candidata a vaga de acompanhante de Jane, que ainda
sonha recuperar a fama com o seu antigo espetáculo.
Bette Davis e Victor Buono em "What Ever Happened to Baby Jane?" (1962) The Associates & Aldrich Company [us] | Seven Arts Productions [gb] | Warner Bros. [us] |
A temática de grandes estrelas que caem no ostracismo e
tentam recuperar o prestígio de outrora são um tema muito frequente nas
produções de Hollywood. Notando as claras referências, observamos em “O que Terá Acontecido a Baby Jane?” uma
progressão do (não menos genial) clássico noir “Crepúsculo dos Deuses” (1950), de Billy Wilder. Porém, enquanto
neste último observamos uma severa crítica à triste maneira como algumas
estrelas se comportam, combatendo o esquecimento com isolamento, enxergamos no
primeiro a perda da consciência de Jane contrastada à ânsia de voltar ao
estrelato como o mote para cometer toda a série de atrocidades contra Blanche.
Porém, o longa de Aldrich foi o responsável por inaugurar
o subgênero “psycho biddy”, desmembramento
dos filmes de suspense que fundem o melodrama e o humor negro ao drama
psicológico. Os filmes sempre trazem como protagonistas mulheres mais velhas
que estão em situação de perigo. Confrontadas por sentimentos controversos,
elas caminham por uma linha tênue dominada pelo descontrole e pela insanidade.
Dentre os exemplos mais célebres podemos elencar “Almas Mortas” (1964) de William Castle, “A Dama Enjaulada” (1964) de Walter Grauman e “Com a Maldade na Alma” (1964) do próprio Aldrich.
Joan Crawford em "What Ever Happened to Baby Jane?" (1962) The Associates & Aldrich Company [us] | Seven Arts Productions [gb] | Warner Bros. [us] |
Não há como citar também que grande parte do sucesso de “O que Terá Acontecido a Baby Jane?” se
deve a uma das mais ardilosas intrigas hollywoodianas: a rixa quase mortal
entre Bette Davis e Joan Crawford. Ao apostar todas as fichas na escalação das
atrizes para protagonistas, Aldrich conseguiu realizar uma das maiores proezas
da história do cinema ao eternizar e sublimar a relação de ódio mútuo entre
elas.
A rivalidade entre as duas era uma atração à parte e o
que acontecia nos bastidores durante a fase de produção já seria, por si só, um
ótimo enredo para outro filme. Os desentendimentos aconteciam pelos motivos
mais fúteis. Joan Crawford exigia um camarim maior que o de Bette Davis que
retrucava dizendo que “camarins grandes não fazem bons filmes”. Ainda a pedido
de Davis, foi instalada no set de filmagens uma máquina da Coca-Cola; a
solicitação foi feita simplesmente para irritar Crawford, viúva de Alfred
Steele, diretor executivo da Pepsi.
Há quem diga que o tapa que Bette Davis deu no rosto de
Joan Crawford foi verdadeiro. Por outro lado (e para não deixar barato),
sabendo que Bette a arrastaria pelo chão em cena, Joan enchia os bolsos com
pesos para que sua rival tivesse mais dificuldades na ação. Resultado: Bette
Davis teve um pequeno problema na coluna e, por conta disso, ficou afastada das
filmagens por algumas semanas.
Bette Davis e Joan Crawford: rivalidade que extrapolava a ficção - Divulgação | Warner Bros. [us] |
Histórias não faltam e existem artigos muito interessantes
e mais bem detalhados sobre essa relação. Mas o mais importante é observar que,
ao longo dos anos, a famosa rixa vai tomando contornos cada vez mais românticos
pois, provavelmente, foi muito menor do que se comenta hoje. Bette Davis e Joan
Crawford são muito maiores que isso e, passadas décadas do seu lançamento, “O
que Terá Acontecido a Baby Jane?” se fortalece cada vez mais como um clássico que
soube transformar o egocentrismo em genialidade. Assisti-lo é sinônimo de prazer,
e um prazer extremamente perverso de observar essas duas lendas do cinema se digladiando
ao trocar farpas e boas doses de veneno.
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