sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Três Assim #8 | Os cem anos de Ingrid Bergman

Elegante, versátil e internacional! Nascida em Estocolmo em 29 de agosto de 1915, a polivalente atriz sueca Ingrid Bergman estaria completando 100 anos de idade neste próximo sábado. Para não passar por essa significativa data sem um registro, o Rotina Cinemeira presta homenagens a esta formidável artista que, tanto no mundo do entretenimento quanto no coletivo social, contribuiu muito com suas deliberadas opiniões e que, com o seu talento e intrepidez, pôde atuar em uma dezena de filmes memoráveis, se configurando como um dos maiores ícones da Sétima Arte e uma das mulheres com a personalidade mais forte e independente do Século XX.

A atriz tem as suas bases artísticas fundadas principalmente no teatro. Influenciada pela família e sobretudo pelo pai, Justus Bergman (fotógrafo, boêmio e amante das artes), Ingrid acabou ingressando muito jovem na Real Escola de Arte Dramática de Estocolmo, e antes mesmo que terminasse o seu curso, já estreava nos cinemas de seu país a convite de empresários e produtores do ramo. Em menos de cinco anos, Ingrid Bergman já tinha participado de pelo menos dez produções do seu país, das quais mais se destacam “O Grande Pecado” (1935) de Gustaf Edgren; e “A Mulher que Vendeu a Alma” (1938) e “Esta Noite Contigo”, ambos de Gustaf Molander.

Entretanto, o seu maior sucesso foi “Intermezzo” (1936), também de Molander, filme que chamou a atenção dos grandes caçadores de talentos e executivos de Hollywood, profissionais que acabaram levando a atriz para despejar todo o brilho de suas atuações em Los Angeles na refilmagem “Intermezzo: Uma História de Amor” (1939), dirigido por Gregory Ratoff e com Leslie Howard no elenco.

A estonteante atriz sueca Ingrid Bergman (1915 - 1982) - Divulgação

Nos Estados Unidos, Ingrid Bergman teve a oportunidade de trabalhar com os mais conceituados e renomados diretores dos grandes estúdios tais como Alfred Hitchcock (já nos Estados Unidos), George Cukor, Leo McCarey, Sam Wood e Vincente Minnelli. Sua versatilidade também possibilitou com que filmasse com os maiores expoentes do cultuado cinema europeu, dentre eles Ingmar Bergman, Jean Renoir e Roberto Rossellini. A avalanche de talento, carisma e habilidade da atriz permitiram que ela fosse reconhecida e premiada nos mais importantes festivais de cinema no mundo, como o Globo de Ouro, nos Estados Unidos; o BAFTA no Reino Unido; o César, na França; e o Festival de Veneza, na Itália.

Ingrid Bergman também foi a grande homenageada da 68ª. Edição do Festival de Cannes deste ano. A atriz, que foi a presidente do Júri do renomado Festival no ano de 1973, teve, na edição de 2015, o documentário “Eu sou Ingrid Bergman” (2015) de Stig Björkman exibido na Mostra Cannes Classics como parte das comemorações do centenário de seu nascimento. Com uma série de entrevistas e com a reunião de materiais inéditos como cartas, diários e fotografias de Ingrid, o filme faz um recorte aproximado de sua intimidade revelando aspectos peculiares sobre as suas vidas familiar e amorosa dando enfoque, sobretudo, nas relações afetivas com os filhos e com os companheiros.

Atrás apenas de Katharine Hepburn e empatada com Meryl Streep, Ingrid Bergman é uma das maiores vencedoras do Oscar. Num total de sete indicações, a atriz foi agraciada com a estatueta em três ocasiões: melhor atriz por “À Meia Luz” (1944) de George Cukor e por “Anastácia, a Princesa Esquecida” (1956) de Anatole Litvak; e melhor atriz coadjuvante por “Assassinato no Expresso Oriente” (1974) de Sidney Lumet. Entretanto, são três outros filmes que desenham e podem, numa tarefa completamente impossível, “resumir” a carreira impecável que uma das mais encantadoras e estonteantes damas que o Cinema teve o prazer de nos apresentar! Confira as nossas indicações para o seu fim de semana:

Casablanca (Casablanca, Estados Unidos, 1942)

Direção: Michael Curtiz

Tratar da carreira de Ingrid Bergman em Hollywood (e no Cinema, de maneira geral) sem reverenciar a sua atuação em “Casablanca” é um dever indissociável para todos aqueles que dedicam um tempo para apreciar ou discorrer um pouco sobre a sua carreira. Após o relativo sucesso de seu segundo “Intermezzo” e de atuações limpas em “Fúria no Céu” de W. S. Van Dyke e na versão de Victor Fleming para “O Médico e o Monstro” (ambas de 1941), a atriz finalmente desponta para o público ao esbanjar elegância neste clássico absoluto dirigido por Michael Curtiz.

A história se desenvolve durante os conflitos iniciais da Segunda Guerra Mundial, onde o americano expatriado Rick Blaine (Humphrey Bogart) se mantém como o dono de um famoso bar em Casablanca, no Marrocos Francês. A cidade é rota de fuga para àqueles que desejam escapar das perseguições dos nazistas na Europa. Além de oferecer diversão para os mais ricos, o Night Club de Blaine funciona como um mercado negro, onde passes livres são vendidos a preços extremamente salgados para os que buscam se exilar.

A noite caótica de Casablanca ainda revelaria uma surpresa: quando Victor Laszlo (Paul Henreid), líder da resistência tcheca, chega à cidade trazendo consigo sua esposa, Ilsa Lund (Bergman), Rick Blaine se reencontra com um passado no qual ele relutava para esquecer. A dama era sua antiga amante, o grande amor da sua vida que, de maneira inesperada, fora interrompido há algum tempo, em Paris. Atender Lazlo e, consequentemente, Ilsa poderá trazer para o negociante uma série de complicações imprevistas e um turbilhão de confusões emocionais.

As atuações intensas e elegantes, bem como a química entre Bergman e Bogart, são tão penetrantes aos olhos do espectador que o filme se tornou um divisor de águas na carreira de ambos. Bogart finalmente se consagrou como um dos maiores atores de sua geração (e de todos os tempos) e Bergman emendou, já no ano seguinte, o clássico “Por quem os Sinos Dobram” (1943) de Sam Wood. Curiosamente, o carisma e a simpatia do casal não foram reaproveitados em nenhum outro filme (atitude que era muito comum por parte dos produtores executivos da época diante de um grande sucesso) e os dois nunca voltaram a contracenar, embora tenham construído, a partir de “Casablanca”, uma intensa e duradoura amizade.

Humphrey Bogart com Ingrid Bergman em "Casablanca" (1942) de Michael Curtiz - Warner Bros. [us]

Viagem à Itália (Viaggio in Italia, Itália | França, 1954)

Direção: Roberto Rossellini

Quase sete anos de um casamento repleto de amor, cumplicidade, três filhos e cinco filmes. Juntos, Ingrid Bergman e o diretor italiano Roberto Rossellini formaram um dos casais mais inflamados, polêmicos e escandalosos da história do cinema, afinal ambos se apaixonaram e iniciaram um relacionamento quando ainda estavam casados com os seus respectivos pares. Por fim, abandonaram (cada um) a sua família para poderem viver juntos. O embaraçoso episódio fez com que Ingrid, acostumada e muito bem adaptada à rotina de Hollywood, fosse forçada pelo governo estadunidense a deixar o país acusada de adúltera e de mau exemplo para a sociedade e para as mulheres americanas.

Sem poder filmar por anos nos Estados Unidos, mas bem afastada dos escândalos em um “disfarçado exílio”, Ingrid Bergman pôde dar novos rumos na carreira e participar de várias produções e coproduções europeias na Alemanha Ocidental, na França, no Reino Unido e, sobretudo, na Itália. Na mira das lentes do marido, a atriz brilhou em “Stromboli” (1950) e, dois anos mais tarde, em “Europa ‘51” (1952), ambos filmados na “Terra da Bota”. Entretanto, é em “Viagem à Itália” que observamos a sinergia do trabalho e do talento do casal confluir para uma obra-prima que trata, curiosa e ironicamente, de uma crise conjugal. No filme acompanhamos Katherine Joyce (Bergman) e Alexander “Alex” Joyce (George Sanders), um rico e sofisticado casal britânico que segue para o Sul da Itália com a finalidade de vender uma propriedade recentemente adquirida por herança de um falecido tio de Alex.

Antes da viagem, a relação entre os dois já não caminhava muito bem. O silêncio resignado que ampliava de maneira abissal a distância entre o casal ressoou ainda mais grave quando eles entraram em contato com a misteriosa e fantasmagórica Nápoles, bem como os seus peculiares habitantes. Katherine começa a recordar de um poeta ao qual amou e que morreu durante a Guerra e, além disso, mergulha no fascínio que os napolitanos têm pela morte ao visitar os melancólicos museus da cidade e também de Pompeia; já Alex investe em escapas mal-intencionadas para Ilha de Capri, aonde flerta com várias mulheres, mas sempre tentando evitar o adultério; nos raros momentos de intimidade com Katherine, Alex se mostra sarcástico; já com ele, ela é extremamente crítica.

Um drama verdadeiramente real incrementado por uma paisagem inspiradora e ao mesmo tempo hostil, “Viagem à Itália” é a ilustração recalcada e simples de um par que está cansado de levar adiante um casamento que, visivelmente, vai se desintegrando aos olhos da sociedade. Pelas mãos e olhares do cineasta italiano, a história dos Joyce é transformada em um apaixonado e lancinante romance que recebe constantemente boas doses de cinismo, crueldade e, principalmente, solidão. Vale lembrar que o desgaste e o distanciamento também chegaram para Ingrid Bergman e Roberto Rossellini, que acabaram se divorciando em 1957.

George Sanders com Ingrid Bergman em "Viaggio in Italia" (1954) de Roberto Rossellini
Italia Film [it] | Junior Film [it] | Sveva Film [it]

Sonata de Outono (Höstsonaten, França | Alemanha Ocidental | Suécia, 1978)

Direção: Ingmar Bergman

Ao lado de Ingrid, o cineasta Ingmar Bergman também é considerado o maior nome da história do Cinema Sueco. Apesar de possuírem o mesmo sobrenome, os dois não tinham nenhuma relação de parentesco, e muito menos haviam trabalhado juntos em algum filme até o ano de 1978, quando realizaram “Sonata de Outono”, primeira e única contribuição entre a atriz e o diretor.

No longa, Ingrid interpreta Charlotte Andergast, uma pianista profissional de carreira renomada e bem-sucedida que recebe uma carta de sua filha, Eva (Liv Ullmann), a qual não vê há sete anos. Tímida e reprimida, Eva anseia pelo amor da mãe, que por muito tempo negligenciou os filhos e toda a família, mas que agora arrumou um tempo para visitá-la em sua residência, localizada em uma afastada província da Suécia.

Num primeiro momento, a chegada de Charlotte reacende um amedrontado sentimento de carinho e afetividade entre mãe e filha. Entretanto, o encontro das duas mulheres começa a mudar de tom quando Charlotte se surpreende com a presença de sua outra filha, Helena (Lena Nyman), na casa da irmã mais velha. Helena é deficiente mental, e Eva a tomou para seus cuidados retirando-a da instituição em que sua mãe a havia colocado pouco antes de seguir a sua carreira internacional como música. A presença de Helena na casa de Eva é somente o estopim de uma bomba de tensão que está prestes a explodir.

Assombrada por rancores, ressentimentos e cobranças escondidas em lembranças do passado, a relação conflituosa entre mãe e filha se reconstrói de maneira lenta e nervosa em um embate especioso. Interpondo um confronto sustentado por um Prelúdio de Chopin, onde Charlotte impõe sua superioridade e virtuosismo perante a filha, e uma conversa noturna em que Eva libera todas as suas feras revelando a incapacidade afetiva da mãe ao lidar com ela e com Helena, Ingmar Bergman tece uma das mais amargas reflexões sobre o intrincado tema dos relacionamentos familiares.

Marcado por um desfecho sublime, “Sonata de Outono” também foi o último filme feito por Ingrid Bergman para o cinema (a atriz ainda faria o telefilme “Golda”, em 1982, ano de seu falecimento). No início das filmagens, ela tinha acabado de ser diagnosticada com câncer nas mamas, doença que tiraria a vida de uma das maiores estrelas do cinema de todos tempos quatro anos depois, coincidentemente, no dia de seu aniversário.

Liv Ullmann com Ingrid Bergman em "Höstsonaten" (1978) de Ingmar Bergman
Personafilm [de] | Filmédis [fr] | Incorporated Television Company (ITC) [gb] | Suede Film

É ISSO... CELEBREM INGRID BERGMAN!

BOM FIM DE SEMANA E BOAS SESSÕES!

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