Marcado por retrospectivas, listas de melhores e
homenagens, o mês de dezembro sempre desperta a iniciativa de sites e blogs especializados
em Cinema em promover e publicar artigos e mais artigos que, periodicamente,
fazemos questão de preservar como guias genuínos para auxiliar no nosso
aprofundamento em relação à Sétima Arte. Na mais justa realidade, guardamos
esses invariáveis artigos e listas até que os próximos saiam no final do ano
seguinte.
Entretanto, o compêndio de selecionar alguns filmes para
certas ocasiões acaba sendo muito interessante e oportuno; e o que o Rotina
Cinemeira propõe fazer agora promete agradar muitas pessoas que
perseguem curiosas vários dos títulos relevantes que ajudaram a contar a rica
história da cinematografia mundial.
Ao final de 2015, algumas obras alcançarão um patamar
ainda maior nessa história: se tornarão filmes centenários! Produtos valiosos
que sobreviveram ao desgaste e à destruição (ao contrário de muitos outros negativos
do período), ou ao mero ostracismo, e ainda assim continuam sendo constantemente
lembrados pelo público. Escolhemos assim, com todo o cuidado, três grandes trabalhos
que, definitiva e literalmente, marcaram época desde os seus lançamentos em
1915 e que, a partir de janeiro de 2016, iniciarão mais um capítulo de sua,
agora, carreira centenária.
Para compreender e apreciar! Começamos a nossa seleção
com o representante mais conhecido do período, constantemente lembrado por
estudiosos e cinéfilos como um dos clássicos absolutos da História do Cinema.
O Nascimento de uma
Nação (The Birth of a Nation, Estados
Unidos, 1915)
Direção: D. W. Griffith
Indiscutivelmente clássico, “O Nascimento de uma Nação” (1915) de D. W. Griffith é o importante
registro histórico de um dos períodos mais conturbados do processo de formação
dos Estados Unidos da América; um documento de valor inestimável tanto para as
definições básicas da arte cinematográfica (que ainda engatinhava) quanto para
manter sempre em evidência, aos olhos de qualquer espectador, as raízes
violentas e, por vezes, irracionais que firmaram os ideais de um país que,
hoje, se enche orgulho pela forma como trata e zela os seus cidadãos.
Constantemente classificado como uma das dez obras mais
importantes para o Cinema, sobretudo pela sua altíssima qualidade técnica, “O Nascimento de uma Nação” ainda
consegue posicionar o trabalho de Griffith como um dos mais valorizados e, ao
mesmo tempo, um dos mais desprezados da história da sétima arte. As polêmicas e
as inspirações de reações completamente opostas vêm, sobretudo, da temática que
conduz a linha principal do enredo: o claro e evidente teor racista da
narrativa, que é baseada no romance explicitamente preconceituoso “The Clansman: An Historical Romance of the
Ku Klux Klan” do norte-carolinense Thomas Dixon Jr.
O primeiro épico histórico a invadir as telas (com suas
mais de três horas de duração) caminha por diversos pontos da história
estadunidense, mostrando como a Guerra de Secessão (1861 - 1865) foi capaz de
dividir amigos e destruir famílias, como o caso dos Stoneman e dos Cameron, que
têm seus dramas retratados ao longo do filme. Começando com eventos anteriores
ao conflito civil, que explicam a introdução da escravidão na América, tanto os
Stoneman (nortistas) quanto os Cameron (sulistas) são apresentados de forma
concomitante na primeira metade de “O
Nascimento de uma Nação”.
À medida que a guerra confrange os desejos esperançosos
de nação, tanto os escravos quanto os simpatizantes dos abolicionistas começam
a ser vistos como a grande ameaça destrutiva para os Estados Unidos. Passando
por vários outros episódios relevantes no processo (como o assassinato de
Abraham Lincoln, por exemplo), a segunda metade do longa começa com a
“reconstrução” de um país dilacerado, apresentando a ascensão e plena
organização da Ku Klux Klan, cujos membros são apontados como muitos dos
autênticos e legítimos heróis da Confederação; daí toda a natureza das
controvérsias da película.
Contada a partir de uma perspectiva sulista, o retumbante
capítulo da “grande vitória” de “O
Nascimento de uma Nação” é ideologicamente indefensável. Nem mesmo a
história de amor entre Elsie Stoneman (Lillian Gish) e o Coronel Ben Cameron
(Henry B. Walthall), utilizada como uma espécie respiro dramático, consegue
quebrar a atmosfera perturbadora do filme. O que nos alenta é que um país como
os Estados Unidos, que produziu e aprovou (com ressalvas por Woodrow Wilson, o
presidente na época) um filme com esse tipo de abordagem para exibição pública,
tenha conseguido eleger, em menos de 100 anos da sua estreia, o nome de Barack
Obama para assumir a Casa Branca.
Capítulo à parte e fora dos tópicos que devemos sempre
lamentar; em termos de inovação artística, linguagem cinematográfica e
brilhantismo de produção, “O Nascimento
de uma Nação” é uma relíquia que deve ser eternamente preservada.
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"The Birth of a Nation" (1915) de D. W. Griffith - David W. Griffith Corp. [us] | Epoch Producing Corporation [us] |
Os Vampiros (Les Vampires, França, 1915)
Direção: Louis Feuillade
O caráter imagético e onírico que contorna a misteriosa
saga de “Os Vampiros” (1915), do
cineasta Louis Feuillade, contribuiu muito para alavancar o Cinema como uma
nova forma de expressão artística já em seus primeiros anos de existência.
Lançados de maneira espaçada e irregular em salas comerciais da França entre os
anos de 1915 e 1916, os rolos deste lendário filme são, na verdade, uma série
fragmentada em dez episódios de durações variadas e vagamente interligadas por
artifícios surreais que contam as alucinantes e estapafúrdias atividades de uma
organização criminosa de Paris. Juntas, as capitulações ultrapassam 400
(proveitosos) minutos em seu corte final, totalizando mais de seis horas e meia
de pura habilidade inventiva e plasticidade estética que foram responsáveis,
entre outras coisas, por fundar as bases do thriller
como cinema de gênero.
Livremente inspirado no folhetim “Os Subterrâneos de Paris”, o filme minucia as desonestas façanhas
dessa sociedade secreta que se autodenomina “Os
Vampiros”, comandada por quatro mestres do crime urbano que ainda contam
com a ajuda da estonteante Irma Vep (interpretada pela sensual e expressiva
atriz parisiense Musidora). Todas as extravagâncias da gangue são combatidas
com vigorosa ousadia pelo repórter Philippe Guérande (Edouard Mathe) e por seu ajudante
Oscar Mazamette (Marcel Lévesque) em um incessante jogo investigativo, onde o
próprio Philippe assume o papel do detetive herói que cai em completa desgraça
ao se ver preso em uma “teia de aranha” amoral e maniqueísta que deflagra o
real valor de suas ações em uma relativa reviravolta na história.
Crítico e sabotador em relação à aparente rigidez
ajuizada da burguesia europeia do início do século XX, “Os Vampiros” se engrandece ainda mais pelo fato de ter alcançado o
seu refinado tom de deboche buscando inspiração em historietas de almanaques
policiais baratos da época, mas que conseguiam flertar da maneira mais íntima
possível com a literatura francesa contemporânea e com as narrativas góticas do
período medieval, sobretudo as produzidas na Grã-Bretanha. Desconcertante, “Os
Vampiros” estará sempre presente na cultura cinematográfica universal,
pretendendo derrubar muitos “castelos de cartas” construídos por instabilidades
morais que acompanharão gerações e gerações da nossa humanidade.
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"Les Vampires" (1915) de Louis Feuillade - Société des Etablissements L. Gaumont [fr] |
Regeneration (Regeneration, Estados Unidos, 1915)
Direção: Raoul Walsh
Um pouco menos reconhecido que “Os Vampiros” e não tão célebre quanto o estrondoso “O Nascimento de uma Nação”, mas
igualmente importante em valores históricos, também se destaca “Regeneration” (1915) do cineasta
nova-iorquino Raoul Walsh. Famoso por dirigir projetos vigorosos como “Heróis Esquecidos” (1939), “Seu Último Refúgio” (1941) e “Fúria Sanguinária” (1949), Walsh
conhecia, descrevia e retratava como poucos o submundo do crime que sempre
insiste em voltear pelas ruas da “capital do mundo”. Basicamente, o filme conta
a história de um órfão que nasceu e foi criado na miséria, mas que encontrou
meios nada honestos para subir na vida e, de certa forma, controlar Nova York
com as próprias mãos.
A linha principal que segue o garoto pobre em busca da
redenção após alcançar o topo do mundo em uma vida ditada pela ambição sempre
foi o fio condutor de vários outros roteiros conduzidos por Raoul Walsh, mas
aparece em “Regeneration” (seu primeiro
longa-metragem) pela primeira vez. Aqui, seguimos Owen (Rockliffe Fellowes), um
descendente de imigrantes irlandeses que, ainda na infância, passa por uma
série de dificuldades desde o falecimento da mãe. Forçado a viver nas ruas
desde os 10 anos de idade, Owen cometia crimes casuais como pequenos furtos e
sempre mantinha viva na mente a ideia de que, para sobreviver, alcançar o poder
era primordial. Aos 25 anos, o jovem já comandava a sua própria gangue, que
passava a maior parte do tempo faturando (e endividando) entre bebidas e jogos
de azar. Entretanto, o desentendimento com um dos membros de seu bando e o
encontro casual com a professora Marie Deering (Anna Q. Nilsson) acabaram
despertando em Owen o desejo de mudar de vida, de regenerar-se.
Esse drama remissivo é baseado no livro autobiográfico “My Mamie Rose” do também nova-iorquino
Owen Frawley Kildare, o escritor que cresceu semelhantemente escoriado pelos
subúrbios da cidade tendo desde cedo uma vida muito difícil, mas não tão
agitada quanto à do Owen da ficção. “Regeneration”
saiu das sarjetas, sobretudo, para escancarar a dura realidade das periferias
da Nova York do início do século XX, mas também foi o filme responsável por
inaugurar um dos subgêneros mais populares do cinema hollywoodiano nas décadas
que se seguiram: os filmes de gângsters.
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"Regeneration" (1915) de Raoul Walsh - Fox Film Corporation [us] |
Também merecem destaque:
- The Italian (The
Italian, Estados Unidos, 1915) - de Reginald Barker;
- Fatty’s Tintype Tangle (Fatty’s Tintype Tangle, Estados Unidos, 1915) - de Roscoe ‘Fatty’ Arbuckle;
- Carlitos Marinheiro (Shanghaied, Estados Unidos, 1915) - de Charles Chaplin;
- O Vagabundo (The
Tramp, Estados Unidos, 1915) - de Charles Chaplin;
- Enganar e Perdoar (The
Cheat, Estados Unidos, 1915) - de Cecil B. DeMille;
- O Golem (Der
Golem, Alemanha, 1915) - de Henrik Galeen e Paul Wegener;
- Carmen (Carmen,
Estados Unidos, 1915) - de Cecil B. DeMille.
É ISSO! ETERNOS CLÁSSICOS... INCRÍVEIS LEMBRANÇAS!
BOAS SESSÕES!
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