segunda-feira, 17 de julho de 2017

Memórias #29 | George A. Romero (1940 - 2017)

George A. Romero morreu ao lado da esposa e da filha enquanto escutava a apoteótica e magnética trilha sonora de “Depois do Vendaval” (1952) de John Ford, um de seus filmes favoritos. Com um contorno etéreo e lisonjeiro, a notícia veiculada ontem pela mídia internacional pegou muitos de seus fãs de surpresa. O diretor, produtor e roteirista nova iorquino faleceu aos 77 anos depois de enfrentar uma difícil batalha contra o câncer de pulmão.

Carismática, a figura de Romero era uma das mais icônicas do cinema contemporâneo; e o cenário sublime de sua partida nos ajuda a redescobrir a personalidade de um verdadeiro apaixonado pela sétima arte. Importante realizador dos clássicos modernos do gênero de terror, Romero foi o maior responsável por definir os parâmetros elementares dos filmes de zumbis e que ainda vemos nos formatos mais atuais. Dos dezesseis longas-metragens que dirigiu, em pelo menos metade deles essas criaturas vêm como matéria central; todas encaixadas dentro de uma temática mítica que continuará influenciando gerações e gerações de cineastas aficionados pela ameaça e pelo horror de cadáveres catatônicos devoradores de cérebros.

Tendo como principal característica o baixo orçamento, os filmes do início da carreira de George A. Romero eram compassados por um trabalho quase operário, o que acabou imprimindo à sua assinatura uma marca poderosa em obras que são cultuadas no mundo inteiro. “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) – seu primeiro longa – teve um investimento próximo a 100 mil dólares e arrecadou cerca de 30 milhões; um fenômeno cinematográfico extraordinário que acabou se tornando o marco fundamental para a recriação do gênero.

O cineasta George A. Romero (1940 - 2017) - Rex 1985 [us] | Laurel Entertainment Inc. [us]
Dead Films Inc. [us] | Laurel-Day Inc. [us]

A ideia original de corpos sem vida que perambulavam estranhamente pelas ruas das cidades de forma inabitual e instintiva permitia que Romero começasse a brincar de forma certeira com algumas das situações que afligiam a sociedade estadunidense no fim dos anos 60 e por toda a década de 70. Em “O Exército do Extermínio” (1973), por exemplo, a grande ameaça é um vírus que assola uma pequena cidade do interior da Pensilvânia após o acidente com um avião que transportava uma poderosa arma biológica e que acaba contaminando a reserva de água local. A doença é implacável, causando a insanidade permanente ou a morte das pessoas contaminadas. Tão obstinada e tenaz quanto a epidemia era a truculência das forças militares, que instauraram estado de quarentena na cidade e agiram com desmedida violência para exterminar essa praga.

Na época, maior que o medo do bioterrorismo ou da extinção da espécie humana através de uma guerra química sem precedentes era – talvez e somente –   o chamado “sonho americano”, um conceito cada vez mais enraizado na cultura ocidental extremamente refém e dependente do modo capitalista de produção. Em “Zombie - O Despertar dos Mortos” (1978) – considerado por muitos a sua obra-prima – Romero transparece com enlevo e um tom sarcástico bem dosados a crítica mais contundente a esse modelo social, personificando em um shopping lotado de criaturas bestiais e sem personalidade que percorrem a esmo os corredores desse “templo” o maior símbolo de uma nação doente. Tal qual a contaminação promovida pelos zumbis, o consumismo (não só) aqui pode ser entendido como uma patogenia gravíssima.

De certa forma, o capital continua a comandar as ações no globo e, desde que voltou a trabalhar com seus mortos-vivos, Romero se tornou mais um dos reféns desta prosopopeia econômica. Seus três últimos filmes – “Terra dos Mortos” (2005); “Diário dos Mortos” (2007); e “A Ilha dos Mortos” (2009) – estão mais alinhados aos formatos de produções hollywoodianos, o que o afastou de forma definitiva das produções baratas e absurdamente lucrativas. Entretanto, o legado de George A. Romero foi construído ao longo dessas últimas décadas e, talvez, sem as suas obras seríamos seres ainda mais desprovidos de integridade e de vontades próprias. Só temos a agradecer!

Esperamos a sua volta, Romero! Enquanto isso, tente descansar... (1940 - 2017)

Dez filmes dirigidos por George A. Romero que indico (em ordem de predileção):

01 - Zombie - O Despertar dos Mortos (Dawn of the Dead, Estados Unidos, 1978)

02 - A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead, Estados Unidos, 1968)

03 - Instinto Fatal (Monkey Shines, Estados Unidos, 1988)

04 - A Metade Negra (The Dark Half, Estados Unidos, 1993)

05 - Dois Olhos Satânicos (Due Occhi Diabolici, Itália | Estados Unidos, 1990)

06 - O Exército do Extermínio (The Crazies, Estados Unidos, 1973)

07 - A Estação da Bruxa (Hungry Wives, Estados Unidos, 1972)

08 - Martin (Martin, Estados Unidos, 1978)

09 - Creepshow: Show de Horrores (Creepshow, Estados Unidos, 1982)

10 - Cavaleiros de Aço (Knightriders, Estados Unidos, 1981)

"Dawn of the Dead" (1978) de George A. Romero - Dawn Associates [us] | Laurel Group [us]

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