sábado, 9 de dezembro de 2017

20 Filmes que completam 20 Anos em 2017 | Parte IV

Um épico atemporal de máxima grandeza que foi capaz de reescrever alguns dos capítulos mais consolidados das cartilhas de cinema; um audacioso recorte histórico que remonta aquele que talvez tenha sido o evento mais curioso da vida de uma dos maiores mitos da cultura nordestina; uma comédia extravagante, virtuosa e, na medida do possível, surpreendentemente picante; uma teia de eventos rotineiros entrelaçados que misturam o erotismo e o suspense em uma narrativa inquieta e absolutamente chocante; e o drama substancial que é a marca uma geração de adolescentes incompreendidos que carregam dentro de si o descontrole e as perturbações de suas angustiantes vivências.

Continuem acompanhando a retrospectiva especial que o Rotina Cinematográfica vem realizando ao longo das últimas semanas. Nessa quarta e última parte, apresentamos mais cinco importantes trabalhos produzidos e lançados no – não tão longínquo – ano de 1997. Filmes essenciais que tentam manter o fôlego e a vigorosidade completando os seus 20 anos em 2017 e que, se ainda não estão, já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.

Titanic (Titanic, Estados Unidos, 1997)

Direção: James Cameron

Magnético, poderoso e tocante, “Titanic” é aclamado por muitos como a obra mais singular do cinema contemporâneo nas últimas duas décadas, pois é, reconhecidamente, um épico atemporal de máxima grandeza que tem a capacidade de transcender todas as críticas – negativas ou positivas – e reescrever alguns dos capítulos mais consolidados do miraculoso e sistemático guia de evolução da sétima arte. Encantando corações e levando um número incalculável de fãs a frequentarem, de forma apaixonada e maciça, inúmeras salas de exibição em qualquer canto do planeta, o título obteve um desempenho surpreendente e assombroso antes mesmo de completar uma semana em cartaz. Essa é a marca essencial de um sucesso inigualável vencedor de 11 Oscars.

A julgar pela qualidade técnica e pelo perfeccionismo do diretor James Cameron (em um trabalho primoroso que dispensa apresentações), todo o projeto reinventou as bases do entretenimento popular ao oferecer para o público um espetáculo visual impactante que retratou a jornada emocional de triunfo e tragédia que levaram o mais famoso dos transatlânticos a afundar após se colidir com um iceberg em 1912. Apesar de simples, o enredo foi capaz de fisgar o espectador com um fascinante e improvável caso de amor que se encaixou perfeitamente dentro deste célebre acontecimento histórico. A imersão é instantânea.

A bordo da viagem inaugural do faraônico e “inaufragável” R.M.S. Titanic está Rose Dewitt Bukater (Kate Winslet), uma jovem aristocrata britânica que, por força do acaso, acaba conhecendo o amável e aventureiro Jack Dawson (Leonardo DiCaprio), um humilde artista que embarca nessa mesma viagem com o sonho de recomeçar a vida com dignidade na América. Conduzido por um “romance proibido”, os dramas dos personagens fictícios e reais se entrelaçam diante do desespero que se manifesta após o malfadado desastre; enquanto alguns presenciam as últimas horas de vida, outros lutam corajosamente pela sobrevivência.

Dentro do ambicioso e lucrativo mercado cinematográfico de Hollywood, “Titanic” foi a primeira de uma lista de três superproduções a conseguir recolher mais de dois bilhões de dólares em ingressos vendidos ao redor do mundo. Em valores absolutos, o longa somou uma quantia correspondente a mais do que o dobro da arrecadada por “Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros” (1993), filme que detinha o posto de mais rentável à época. Esse estrondoso fenômeno se sustentou como a maior bilheteria da história por longos doze anos, sendo superado apenas por “Avatar” (2009), também dirigido por Cameron – um mestre em multiplicar dinheiro.

"Titanic" (1997) de James Cameron - Twentieth Century Fox [us] | Paramount Pictures [us] | Lightstorm Entertainment [us]

Baile Perfumado (Baile Perfumado, Brasil, 1997)

Direção: Paulo Caldas e Lírio Ferreira

“Já foi-se o tempo do fuzil papo amarelo...” Extinto há quase oitenta anos, o abarroado e encantador fenômeno social do cangaço deixou marcas importantes para a cultura nordestina, ajudando a construir um segmento convulsivo essencial dentro da história política do Brasil no século XX. Parte dessa atroz, incauta e sanguinária jornada dos bandoleiros do sertão foi replicada pelos cinemas do mundo através de “Baile Perfumado” – audacioso longa-metragem de ficção dirigido por Paulo Caldas e por Lírio Ferreira – que remonta aquele que talvez tenha sido o capítulo mais curioso da mitológica vida de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

Guiada por uma linguagem experimental que flerta com o tom alegórico, a narrativa se desenvolve com agilidade e é inteiramente inspirada em fatos reais. Todos os eventos estão relacionados aos ambiciosos planos de um comerciante libanês que investiu todos os seus recursos em uma empreitada solitária; impávido, ele buscava fazer o primeiro registro iconográfico de uma autêntica lenda viva. Por um intermédio benevolente de Padre Cícero (Joffre Soares), o mascate Benjamin Abrahão Botto (Duda Mamberti) consegue a esperada autorização para documentar as ações e os deslocamentos de Lampião (Luiz Carlos Vasconcelos) e de seu temido bando.

Embalada pela trilha pulsante do manguebeat, uma atmosfera de temeridade recai sobre as personagens, ficando bastante claro que tanto as relações de cumplicidade quanto as de desconfiança estabelecidas entre Benjamim e os líderes do banditismo caminhariam por uma estreita linha que separa a racionalidade da compulsividade. As capturas fotográficas e as filmagens foram as únicas feitas com Lampião ainda vivo e são, sem sombra de dúvidas, relíquias de valor histórico inestimável. O vigoroso impacto das imagens vai além das palavras, escancarando uma realidade cruel e romantizada que ficará para sempre marcada na memória. Sem elas, a figura destemida do Rei do Cangaço existiria apenas numa esfera fantasiosa.

Além de ser destacado como um dos principais filmes do período da retomada, “Baile Perfumado” ainda foi o grande responsável por iniciar a desanuviada aventura de soerguimento do Cinema Pernambucano. Buscando renome na cena contemporânea, profissionais corajosos caminhavam por uma desconhecida territorialidade cultural naturalmente restabelecida pelas recentes produções de conteúdo audiovisual no país. De maneira conveniente, o poder embrionário do respeitado trabalho de Paulo Calas e Lírio Ferreira também foi capaz de engendrar uma nova geração cineastas e roteiristas extremamente talentosos que fazem da filmografia do estado uma das mais viscerais e pujantes dentro do atual panorama cinematográfico nacional.

"Baile Perfumado" (1997) de Paulo Caldas e Lírio Ferreira - Saci Filmes [br]

Ou Tudo, ou Nada (The Full Monty, Reino Unido | Estados Unidos, 1997)

Direção: Peter Cattaneo

A siderurgia está em declínio e as fábricas não param de fechar as portas em Sheffield, cidade que em tempos mais promissores já chegou a ser considerada o maior centro da indústria de aço na Inglaterra. O contingenciável potencial que outrora possibilitava a criação de inúmeros postos de atividade capacitada agora se mostra insuficiente para se autossustentar.

Neste amargurado cenário de crise, Gaz (Robert Carlyle) lidera um grupo de seis operários desempregados que, tomados pelo desespero, decidem colocar em prática um plano mirabolante. Inspirados pelas atuações de trupes performáticas profissionais como os The Chippendales, os amigos resolvem promover, apenas por uma noite, um show de striptease para as mulheres do bairro onde vivem. Perdidos entre as mais diversas motivações, esses virtuosos e humildes trabalhadores se unem em busca de um objetivo principal: arrecadar uma boa quantidade de dinheiro. Na aparência, nenhum deles despertaria qualquer interesse; todos são pouco ou nada charmosos e estão completamente fora de todos os apregoados padrões de beleza.

Entretanto, para combater a falta de atributos físicos, os corajosos dançarinos pretendem ultrapassar os limites da extravagância e apimentar ainda mais o espetáculo ficando “nus em pelo” (tradução mais próxima da expressão inglesa “the full monty”). A aposta é arriscada, até mesmo porque a total inexperiência desses homens com a dança transforma os ensaios em uma atração à parte. Maravilhados, presenciamos uma sucessão de situações engraçadas que chegam a ultrapassar o cúmulo do ridículo; por outro lado, demonstramos compaixão pelas angústias pessoais de cada personagem, além da perseverança para vencer o obstáculo da timidez e superar o clima de ansiedade provocado pelas pressões de um desafio. Esse é o equilíbrio perfeito entre o drama e a comédia que sequer recorre ao escracho e à apelação – o resultado é atraente, deleitável e extremamente honesto.

Dirigido pelo londrino Peter Cattaneo, “Ou Tudo, ou Nada” é um verdadeiro clássico moderno do cinema britânico; produção pequena que foi capaz de se tornar um dos maiores sucessos do ano e que guarda na sua essência simplista a fórmula que cativou o mundo. A mistura de um humor agridoce, despretensioso e refinado acabou gerando uma narrativa ligeira entremeada por subjetividades. Apesar de seu estimável poder de entretenimento, o filme não deixa de fazer uma severa crítica à austeridade na implementação das políticas neoliberais que, por alguns pares de anos, tentavam combater a instabilidade econômica no Reino Unido. Nesta quimera, a melancolia está nas entrelinhas.

"The Full Monty" (1997) de Peter Cattaneo - Redwave Films [gb] | Channel Four Films [gb] | Twentieth Century Fox [us]

Carne Trêmula (Carne Trémula, Espanha | França, 1997)

Direção: Pedro Almodóvar

Articulado, substancial e meticulosamente abusivo, o cinema produzido por Pedro Almodóvar se apóia em características que, de maneira ocasional, provocam indiferença entre os seus espectadores – uma vez que o mesmo sempre recorre à premissa da trivialidade em suas composições. Basicamente, ele lança os fatos na tela para só depois desenrolá-los em um conjunto de múltiplas sensações que costumam deixar qualquer pessoa completamente extasiada. Ao assistir “Carne Trêmula”, percebemos que tal máxima é respeitada com plena devoção, pois somos seduzidos por essa curiosa teia de eventos bem entrelaçados que misturam o erotismo e o suspense em uma narrativa inquieta, picante e com humor na medida certa.

Nos anos 70, enquanto tentava chegar na maternidade, uma prostituta dá à luz dentro de um ônibus em uma praça de Madrid. O caso causou tanta comoção que a prefeitura resolveu conceder à criança o acesso livre ao transporte público da cidade de forma vitalícia, pois julgava que um menino que nascera em condições tão inusitadas merecia ter um futuro vitorioso pela frente. Entretanto, após vinte anos de viagens gratuitas, Víctor Plaza (Liberto Rabal) ainda leva a vida como um humilde entregador de pizzas que, certa vez, tem um encontro fortuito com Elena (Francesca Neri) e acaba se apaixonando instantaneamente.

O destino nunca foi muito generoso com esse rapaz, e um golpe de azar impediu que um relacionamento pudesse ser engatado entre eles. Já no primeiro encontro, os dois se desentendem e a jovem, que era viciada e estava sob o efeito de drogas, saca um revólver e instaura um inesperado e inconsequente clima de tensão em seu apartamento; é quando um tiro acidental acerta David (Javier Bardem), um dos policiais que havia chegado para averiguar a ocorrência. Depois de passar um tempo na cadeia, Víctor continua pensando em Elena e mal sabe o que encontrará quando for procurá-la novamente.

Os saltos temporais abruptos podem até dar um ar novelesco à trama, mas são esses os principais trunfos de Almodóvar em “Carne Trêmula”.  Particularmente neste filme, ele consegue construir um arrebatador romance moderno através do exorável e sufocante tom melodramático que passa a ser a sua marca registrada quando atinge – aqui – a sua maturidade enquanto cineasta. Carregada de muita elegância e sensualidade, a exploração das relações humanas é feita com extrema singularidade, de modo que possamos acompanhar, sem sequer respirar, como os contornos desoladores de uma rotina ignóbil começaram a delinear uma história surpreendentemente chocante.

"Carne Trémula" (1997) de Pedro Almodóvar - Deseo, El [es] | CiBy 2000 [fr] | France 3 Cinéma [fr]

Gênio Indomável (Good Will Hunting, Estados Unidos, 1997)

Direção: Gus Van Sant

Vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original em 1998, “Gênio Indomável” é um filme absolutamente brilhante, realista e cheio de alma. Esse drama virtuoso é a marca de uma geração de adolescentes incompreendidos que continuam levando, no fundo dos seus corações, o descontrole e as perturbações de suas angustiantes vivências – uma bagagem totalmente carregada de sentimentalismo, porém excessivamente “cascuda”. Escrita pelos ainda garotos Ben Affleck e Matt Damon, a envolvente narrativa tece sobre a sucessão dos eventos uma camada densa, melancólica e reflexiva pouco comum em projetos que tentam alcançar todos os tipos de público.

Will Hunting (Matt Damon) é um jovem de personalidade arguta e inconstante que trabalha como um humilde servente no tradicional MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Exceto por sua ocupação, ele nunca teve a oportunidade de frequentar uma universidade, muito embora possua uma capacidade estupenda de memorizar fatos históricos importantes e de resolver equações matemáticas com alto grau de complexidade; é quando o renomado Professor Gerald Lambeau (Stellan Skarsgård) descobre o verdadeiro potencial do rapaz e acaba vislumbrando um caminho promissor para a sua ciência. Apesar de toda a genialidade, Hunting se transforma em um símbolo do desequilíbrio, pois também guarda na mente um incômodo existencial que precisa ser domado.

Dentro do complexo mundo das interações, precisamos sempre analisar os dilemas e as hesitações de um ser humano o mais perto possível de sua famigerada realidade. Não por acaso, começamos a perceber que todas as vezes em que apareceram as melhores chances na vida de Will, a irresponsabilidade e a rebeldia costumeiramente prevaleceram. Perdido e rodeado por intermináveis confusões que podem até mesmo resultar numa prisão, ele encontra ajuda somente através do contato forçado com o psicanalista Sean McGuire (Robin Williams), profissional respeitado que o faz compreender as artimanhas do destino e encarar o presente de maneira mais leve.

Por sua destacada atuação em “Gênio Indomável”, Robin Williams foi premiado pela Academia na categoria de Melhor Ator Coadjuvante. Como o terapeuta que ao mesmo tempo admira e tenta decifrar os mistérios da cabeça de seu notável paciente, ele se impõe com elegância frente a um papel que amarra todas as pontas da trama e, tal qual o personagem principal, consegue superar diversos traumas percorrendo os rastros da suavidade. Não há "canastrice" e nem "melodramaticidade", afinal a destreza e a inventividade de Gus Van Sant permitem que a inteligência siga predominante nessa inesquecível obra de arte.

"Good Will Hunting" (1997) de Gus Van Sant - Be Gentlemen Limited Partnership
Lawrence Bender Productions [us] | Miramax [us]

Dessa forma, chegamos ao fim de mais uma retrospectiva – uma jornada emocional e nostálgica que reacende e alimenta a nossa memória cinematográfica. Caso queiram relembrar os filmes apresentados ao longo dessas últimas quatro semanas, basta continuar navegando pela nossa página ou clicar nos links correspondentes a cada uma das partes que seguem logo abaixo:

PARTE I              PARTE II              PARTE III

E para o próximo ano já garantimos que a retrospectiva “20 Filmes que completam 20 Anos em 2018” voltará com a mesma força, sempre com a promessa de voltar a ser publicada seu período habitual: o mês de julho.

Voltaremos aos eixos! Até lá...

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